O que é vertigem? Medo de cair? Mas porque temos vertigem num mirante cercado por uma balaustra sólida?
Vertigem não é o medo de cair, é outra coisa.
É a voz do vazio debaixo de nós, que nos atrae e nos envolve, é o desejo da queda do qual nos defendemos aterrorizados.

Milan Kundera

Somente no amor gostamos de ver alguém mais feliz do que nós mesmos...

sábado, 8 de setembro de 2012


Eu queria dizer que não quero que pense que você é tudo, que é todo o motivo da minha irritação, da minha falta de sono ou da minha alegria. Nunca disse que seria! Você foi por um momento uma parte de mim... uma parte que hoje foi embora. Em alguns dias ainda é uma parte que lateja. Uma parte que ainda esta aqui dentro vivendo escondido como um intruso, e que me incomoda porque não gosto que invadam minha intimidade. Uma parte que me cansa porque sei que preciso arrumar um motivo qualquer pra desculpar sua presença em mim, e muitas vezes não consigo, e nestas horas minha cabeça gira e os dias ficam longos e reais. Sua parte, esta parte lembrança, ainda se mexe aqui dentro, e é o esboço ou prova concreta do que eu deveria ser e não consigo. O que eu tenho me esforçado pra ser, mas, muitas vezes, não consigo e me perco. Ando de um lado pra outro, sento e levanto, passo as mãos na memória pra afastar seu rosto em mim, refaço mentalmente suas palavras, retomo e alimento toda a raiva que seu silêncio me faz sentir, fecho o livro, os olhos, e contraio o estômago pra transformar em dor física a dor da alma. Nesse exercício estúpido e defeituoso de odiar-te aos poucos, de me enganar, ou enganar o dia seguinte, sinto menos a sua falta, e a sua covardia. 
[...] Não pense que não segui, não pense que não continuo seguindo. Caminhando  lentamente, mas, sempre em frente. Eu falei que continuaria. E é o que estou fazendo. Só que ainda escrevo. Não devia nunca mais escrever, mas escrevo. E ainda penso. Quase sempre sem querer. Acontece assim, por vezes no meio da noite, em meio a uma poesia ou música, por vezes na fumaça do cigarro e até no cheiro do café... aqui e ali me aparece você. Mesmo que eu não queria, surge por vezes demais uma lembrança, ou muitas, várias e várias, e sempre, todas ruins. Tão triste depois de tanto bem querer só terem sobrado lembranças ruins. Tenho gravadas as lembranças e palavras ruins porque são as mais lentas de esquecer, e as mais nuas de sentido, e as mais duras de lembrar, e é nessas horas em que elas voltam que eu escrevo. Eu tomo um lápis - prefiro os de ponta grossa e gastos - um gole de piedade, e escrevo muito, e muitas vezes compulsoriamente. Desesperadamente. E sinto raiva e escrevo que estou com raiva. Escrevo pra esquecer e escrevo pra viver. Escrevo porque seu coração é frio, porque você me fez covarde, e agora não tenho coragem nenhuma mais dentro de mim. Escrevo porque você não está aqui e não faz parte de nada, e eu ainda estou e faço parte de tudo. Ah, mas esqueça isso, esqueça essa parte! ... 

De Carla para Carla 

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